Tuesday, April 7, 2009

Natureza


Quero afagar as árvores. Passar as minhas mãos pelas suas copas. Deitar-me sobre as suas folhas, embalada pelos murmúrios dos ramos e dos pássaros que as habitam. Quero sentar-me no seu alto. Frágil, quebrar-me com o vento. Sentir estalar o corpo com as rachas que se alongam pela casca. Experimentar a sensação de seiva no meu corpo. Quero criar raízes bem fundas, explorar a terra que me sustém e crescer bem alto. Crescer para longe. Quero florir na Primavera, crescer frutos no verão (que originarão...?). Encher-me de cores no Outono e despir-me (do passado), renovar-me no Inverno. Quero tocar as árvores que me rodeiam, partilhar ramos, seres, nutrientes. Quero criar sombras acolhedoras, proteger de chuvas, guardar segredos, ser local de faz-de-contas. Quero fundir-me com a vertical Natureza que me rodeia.

Friday, February 20, 2009

Histeroneurastérico


em.pedaços.se.oFereceu.ao.mundo.em.pedaços.o.recebemos.
como.pedaços.que.não.se.completam.como.pedaços.que.por.vezes.se.sobrepôem.
re.partia.se.em.mil.emoções.identificava.as.e.organizava.as.em.personalidades.distintas.de.si.distintas.entre.si.que.como.um.todo.não.o.exPlicavam.
descrevia.a.vida.como.se.esta.não.lhe.pertencesse.
melancolia.nas.memórias.que.o.tempo.levou.
a.cidade.a.máquina.e.a.simplicidade.da.natureza.como.motes.permanentes.na.constante.permutação.das.palavras.

Thursday, January 22, 2009

Mimo


Eu não seria minha amiga se me conhecesse.

Não me aturaria ao final de uma tarde de estudo. Não suportaria os meus risos estridentes e retumbantes, que saltitam pelas paredes...AH...AH...AH...percorrendo todo o edifício, perfurando bem fundo os ouvidos, irritando o cérebro. Não atenderia as minhas chamadas telefónicas nem me telefonaria para falar da novela, do meu dia, do teu dia, daquele livro, daquele filme, para combinar uma noite ou uma tarde ou uma semana onde quer que seja. Não responderia aos convites para cafés, tardes preguiçosas a falar, a comer, a beber, a fumar (activa ou passivamente), a discutir política, perturbações mentais, sexualidade, filosofia, física ou batatas (fritas, cozidas, assadas, escalfadas, tanto faz, desde que seja sem grelos, por favor). Não leria os meus textos (palavras soltas na blogoesfera ou em blocos de notas; soltas pois claro, livres de mim). Não ouviria os embriagados poemas abandonados, soltos, gritados pela calçada, pendurados em estendais, enfiados em caixas de correio, por baixo de portas ou em mãos estendidas. Mandar-me-ia calar, oh sim calar, mal o mais pequeno ruído musical tentasse emergir da minha garganta. Não passaria uma tarde a sofrer golos só porque (novidade) não sei jogar matraquilhos. Não me quereria no meu aniversário. Não teria paciência para os meus gostos musicais nem para as minhas incessantes interrupções com "ouve só mais esta!" Não quereria saber porque suspiro ao olhar para a lua ou porque um arco-íris me faz feliz ou porque olho o céu, sempre, com esperança, não interessando o tempo que faz. Não me faria diferença a minha busca intensiva por palavras, o meu interesse por fotografia ou pela forma como a luz pousa, suave, à tarde, sobre tudo...

Mas como não me conheço, penso que sim, sou um mimo!




fotografia por Isabella Daguer

Sunday, January 18, 2009

Escafandro


Acordou, vestiu-se e saiu de casa. Assim. Na rua não percebia porque o olhavam de forma tão estranha. Só porque usava um escafandro!

Este serve para nos permitir observar o todo que preenche o fundo dos nossos mares e sobreviver. Porque não servir para observar o mundo à tona e nos proteger? Era assim que se sentia agora, graças à desadequada vestimenta: à tona, finalmente.

Podia Ver o mundo, de tal forma os sons eram abafados pelas camadas de metal. Via-o em segmentos, pedaço por pedaço (rectângulo por rectângulo), analisando minuciosamente cada detalhe. Observava o mundo como se através de uma janela, pequena abertura no tempo. Via o mundo como uma sucessão de fotografias, perfeitamente enquadradas pelo visor do seu fato.

Caminhava, segurando cuidadosamente o tubo que lhe permitia respirar. Quando passava perto de uma flor, árvores, uma mulher que o agradava, era nesse sentido que o apontava. De resto, caminhava com o pequeno orifício apontado para o céu.

Não lhe importavam as caras de espanto, as expressões de gozo ou de desprezo, as interpelações várias, os olhares confusos, as preocupadas questões de "está perdido?", as mil e uma reacções a algo que perturba o quotidiano...Sabia para onde ia.

Todo um novo mundo se abria à sua frente e ele tudo guardava dentro de si. Enchia-se de imagens. Enchia-se de gestos. Enchia-se de luz! Uma linha curva, surpreendida entre a recta arquitectura de um edifício de escritórios; um perfil (in)discreto numa janela entreaberta; um olhar sonhador por entre carros e carros, parados e zangados, num sinal de trânsito; um lençol que tapa, envergonhado, a lingerie que seca ao sol; aquela pomba que atravessa a rua por entre pés atarefados.

Subia agora as escadas de madeira de um edifício de esquina e com cada passo que dava, mais o seu coração se enchia. Chegado à porta dela, esperou que esta o ajudasse a despir o escafandro e chorou...




fotografia por Fernando Figueiredo

Tuesday, November 18, 2008

Suporte


-Estou?
-És tu o meu suporte?
-O quê?

-Se és tu o meu suporte?
-...hum...não sei...

-Achas que és tu o meu suporte?
-...suporto roupas, pele, pelos. Prateleiras quando caiem, dossiers e pastas por caminhos, flores que se dobram com o peso da beleza. Suporto o céu sobre mim, as estrelas, todo um universo.

-Ah...ah...ah. Pois, sim, mas és tu o meu suporte?
-Suporto dores, maleitas várias, contradições. Aliás sinto uma dorzinha aqui no fundo das costas, não sei se não será da saída de ontem...Devias escolher percursos mais curtos para os nossos passeios.

-Ai agora a culpa é minha? A menina é que não parava de se queixar de não fazer nada senão estudar!Para a próxima escolhes tu o sítio e pronto! eheh Agora diz-me, és tu o meu suporte ou não?
-Suporto corações partidos, orgulhos remendados, tristeza.

-Mas és tu o meu suporte?
-Suporto hipocrisias, raivas mal direccionadas, sorrisos sem sabor. Tu tens cá um feitio ahah!

-Escândalo! Olha quem fala, menina do "não me chateies"! Diz-me lá, és tu o meu suporte?
-Suporto sons impensados, choros incontidos, risos sem razão. Mas porque perguntas isso?

-Não sei...Manias.És ou não o meu suporte?
-Hum...Suporto segredos estranhos, memórias humilhantes, confissões. Há alguma coisa que me queiras contar?

-Não, nada, a sério, só preciso de saber. És tu o meu suporte?
-Suporto telefonemas a meio da noite, desvios de percurso só por companhia. Que achas, miguita?

-Que fofa... És tu o meu suporte ou não?
-Ouço-te quando precisas, abraço-te mesmo quando não. Passamos tardes sentadas a falar.Sei o que pensas só por um olhar.

-Afinal, és tu o meu suporte?
-Sim.



Dedicado a todas as minhas amigas, mas em especial a ti Sarinha que me deste a palavra :)

Sunday, November 9, 2008

Silêncio


Sinto-me presa em palavras sem cor. Numa dor sem lágrimas ou razão.

Quero o céu azul permanentemente sobre mim e o vento frio batendo-me na cara.
Quero os meus cabelos sobre os olhos e as folhas amarelas caindo suaves quando olho pelas janelas.
Quero ver todos os finais do dia do alto de uma torre e poder gritar "Onde está o arco-íris?" sempre que me apetecer.
Porquê apenas muralhas à minha volta.
Porquê jardins fechados.
Porquê gatos pardos todas as noites e rituais que não cessam nunca!
Porque não inventar palavras ou espalhar cores à minha volta?
Porque não um deserto de margens brancas ou caminhos que não existem?
Quero percorrer os contornos de uma fotografia, sentir todos os seus detalhes.
Porquê tanto medo do toque. O que haverá de errado com a sinceridade?
Quero poder ser eu, apenas eu, simplesmente eu, inconfundivelmente eu, sem medo de nada.
Porque não tocar a lua e responder "vidro fosco" quando nos perguntam "como estás?"
Porque não usar flores verdes como único acessório e sorrir quando nos olhamos ao espelho.
Porque não desejar bons sonhos a todas as pessoas com que nos cruzamos ou desejar que as que conhecemos sonhem connosco mesmo que não o digamos.
Porquê conversas ocas quando o olhar basta por vezes.
Porque não admitir que o silêncio também é parte de nós.

Sunday, October 19, 2008

Sorriso


Quero ver as tuas cores,
Todo o espectro que te preenche,
Toda a luz que conténs e que libertas para mim.
Quero sentir os teus olhares,
Aquele com que olhas os sonhos,
O que usas para colorir o mundo,
O que empregas como desafio,
E o que tens perante mim.
Quero ser tempestade contigo,
Chover sobre as folhas mortas no chão,
Levantar saias e casacos,
Percorrer linhas de corpos quentes da corrida para protecção.
Quero ser o teu sorriso e tu o meu de volta.
Quero ser olhar frente a olhar,
Inifinito frente a infinito,
Compreensão.
Quero ser janelas abertas,
Prédios a ruir,
Rios subindo montanhas.
Quero contemplar a lua,
Redonda e grande no horizonte
E saber que a contemplas também...

Para a Raquel e para o João :)